quinta-feira, agosto 04, 2011

O valor da água...


Há coisas que nos habituamos a dar por garantidas na cidade. Pressupondo o pagamento e excluindo uma ou outra situação especial, temos sempre água, luz e gás.

Na aldeia, a água é definitivamente um bem que não damos por garantido. Aqui a água que chega às casas é pura e gratuita. No entanto, especialmente as casas no cimo do povo sabem que há meses que abrir a torneira não significa que dela saia água.

Há muitos anos, quando as águas corriam livres pelos regos e pertenciam em dias diferentes a famílias diferentes intituladas por herança, o meu avô foi morto pelo próprio irmão durante uma disputa de água. Um virou a água para os seus lameiros no dia do outro e a discussão acabou com uma sacholada fatal. Não era caso raro infelizmente.

Há já sei lá quantos anos desde que canalizaram a água da nascente que pertence ao povo, todos os dias do ano, duas vezes por dia, uma tia minha sobe ao depósito para o abrir de manhã e voltar a fechar ao fim do dia. Serve isso para garantir que a nascente encha o depósito e no dia seguinte haja em quantidade suficiente para forrar os canos que atravessam a povoação.

Todos os anos, desde que me lembro de vir para cá, que se reclama a falta de civismo de uns que usam a água da rede para regar hortas privando outros de a ter e os obrigam a instalar depósitos em casa ou encher todos os tarecos para poderem fazer o comer, lavar-se e usar a casa-de-banho. Todos os anos, se repete a mesma ladainha e as discussões sobre se se devia pagar ou não a água que até pertence ao povo mas que acaba sempre por ser mais de uns que outros. Todos os anos, temos de garantir que há sempre reserva de água para quando faltar não ficarmos às secas.

Esta água é a água mais macia que conheço. Esta água é a única que me faz ter sede. E é esta água a que me lembra ano após ano do privilégio que é ter água a sair das torneiras e o importante que é não a desperdiçar.

3 comentários:

Rita (a minha pequena lua) disse...

na aldeia onde a minha mãe nasceui e de onde tenho tantas recordações do teu post anterior, é assim tb, com uma agravante, nós é que tiramos a água ou do poço da casa de família, ou vamos à fonte da aldeia e ficamos na fila, para encher as bilhas de cerâmica ou os garrafões.... os banhos eram em grandes alguidares, agora, é em polibans, mas que na parte do chuveiro, têm um reservatório que somos nós que enchemos de água e que usamos até terminar, ou seja, banhos curtos...

Ana disse...

De facto, a água é o bem mais precioso que possuimos. O petróleo do século XXI. Infelizmente, há demasiado desperdício, e pouco respeito pela água que é de todos.
Essa estória, verdadeira, que contaste do teu avô, poderá vir a repetir-se muitas vezes, num futuro, muito mais próximo do que imaginamos.

Beijinhos

Anónimo disse...

É verdade, só assim se dá valor a esse bem precioso... estamos tão mal habituados!

jokas