fiz batota e li-o também antes de me deitar. Era impossível não o ler de uma assentada. O que lá estava era como se fosse um bocado da minha vida.
No dia 9 de Dezembro de 2001, não conseguimos sair do Sabugueiro sem trazer connosco uma bolinha de pêlo com menos de dois meses. Da ninhada restavam três cadelas e dois machos. Nós decidimo-nos por um macho e quando nos aproximámos da gaiola onde estavam aquelas bolinhas de pêlo cheias de energia e olhos de mel, percebemos que era impossível escolher um dos dois que nos indicaram. Decidi estender a minha mão. Todos, machos e fémeas, se chegaram para trás à excepção de um, que correu por cima dos outros para me lamber a mão furiosamente. Não escolhemos, fomos pura e simplesmente escolhidos.
Foi prontamente baptizado. Uns anos antes, ainda namorados, tínhamos passado um fim-de-semana na Serra com amigos. Passávamos o tempo a cantar que nem uns perdidos e a
The roof is on fire, dos Bloodhound Gang, foi um dos pontos altos dos nossos devaneios líricos. Um Serra da Estrela de peluche que ele me tinha oferecido como lembrança, foi, no calor do refrão, baptizado como Rufus. O estarmos ali com os mesmos amigos, e a memória desse momento, tornou a escolha do nome uma tarefa fácil de cumprir.
Rufus, assentava-lhe que nem uma luva. Esses amigos tornaram-se os padrinhos do nosso primeiro cão e da nossa primeira filha.
A viagem de regresso foi uma das mais longas de que tenho memória. Ele ia comodamente enrolado em si próprio, numa caixa de cartão, entre o banco do condutor e o banco traseiro. No banco de trás, ia ainda o nosso afilhado de três anos cujo o único objectivo era livrar-se do cinto da cadeirinha para ir ter com aquele peluche que parecia ter vontade própria.
Logo na primeira viagem, o Rufus decidiu mostrar-nos como seriam as viagens a partir dali e não parou de vomitar o caminho todo. Vomitou tanto ou tão pouco, que às tantas duvidámos que ele sobrevivesse à viagem. A meio do caminho, ainda houve tempo para o nosso afilhado, abrir uma garrafa de água de litro e meio (cheia) e virá-la sobre a criatura, que na opinião dele já estava para lá do sequioso.
A verdade, é que resistiu à viagem e as nossas vidas nunca mais foram as mesmas. Ele foi o nosso treino para a maternidade/paternidade. Ele preparou-nos para as noites sem dormir, para o desfralde, para os olhares que pedem socorro durante as vacinas, para as asneiras e para os acidentes. Ele preparou-nos para esse amor incondicional que não se imagina sentir por alguém, muito menos que alguém o sinta em relação a nós. Preparou-nos para os apertos de coração que esse tipo de amor traz como bónus.
São tantas as histórias que tenho para contar, são tantas as memórias. Podia contar a vez que comprei o telemóvel dos meus sonhos e que ele o comeu em meia-dúzia de dentadas. Que o primeiro latido, foi três dias depois de aqui chegar. Podia falar da sua predilecção por roer apenas os meus pares de sapatos azuis. Que no início engordava uma média de um quilo a cada cinco dias. Que tivemos de começar a passeá-lo de bicicleta para o poder acompanhar. Que um dia tive a triste ideia de ir passear com ele sozinha, prender a trela ao guiador, e que de repente, ele atravessou-se à minha frente para perseguir um cão e me fez dar uma pirueta no ar com a bicicleta. Podia contar-vos que esse foi o último dia que o passeei dessa forma e que a bicicleta ainda aguarda por arranjo. Que as asneiras das crianças são extremamente parecidas com as dos cachorros.
O
Marley & Eu, de John Grogan, falou-me directamente ao coração e torna-se impossível separar o que li do que vivi.
A forma despretensiosa da escrita, o humor sempre presente, os sentimentos que ele nos passa em cada frase, os dramas e as alegrias, cativaram-me até ao último ponto final. Embora não tenha chorado quando calculo que a maioria das pessoas que o confessou o tenha feito, ri-me com vontade em todos os outros momentos. Para mim, é um livro que não deve ficar por ler, especialmente para quem já teve ou tem um cão como amigo.